Estamos vivendo um ambiente de crise, complexidade e incertezas em que praticamente todos os negócios estão sendo – ou serão – afetados de alguma forma, decorrente da pandemia que está paralisando o mundo.
Não queremos ser repetitivos em relação às recomendações que estão sendo compartilhadas no mercado, mas entendemos que o nosso foco no modelo de negócios SaaS B2B traz um olhar mais específico e merece ser compartilhado.
A nossa intenção é abordar de forma mais ampla como estamos analisando os potenciais impactos e, principalmente, como estamos orientando o nosso portfólio a navegar nesse ambiente turbulento e incerto.
Apesar de este material ser voltado para negócios SaaS B2B, algumas orientações também podem ser úteis para outros negócios. Esperamos contribuir de alguma forma para que founders consigam atravessar esta crise da melhor forma possível.
Em um ambiente de turbulência no qual estamos vivendo, a atividade de venture capital se retrai naturalmente. Por todas as incertezas, os VCs tendem a "subir a régua" no processo de análise e ficar mais cautelosos, de uma forma geral.
Depender de capital externo nestes tempos pode trazer fragilidade para startups.
Usando como referência o que ocorreu nos EUA, o impacto no mercado de VC durante a "great recession" foi de 28% de queda no volume de VC, de U$ 38B em 2007 para U$ 27B em 2009, segundo este report do Pitchbook.
Um fato interessante é que nem todos os estágios de VC tiveram o mesmo comportamento. Os seed e angel rounds praticamente não diminuíram em quantidade, mas os tamanhos dos rounds diminuíram, refletidos por valuations ajustadas (figura abaixo).
Link para Relatório do Pitchbook
Apesar de ainda estarmos em um ambiente de incertezas, é possível que tenhamos um comportamento semelhante no Brasil. Diversos fundos locais acabaram de fechar suas captações antes da crise, como no nosso caso da ABSeed.
Nós continuamos o nosso processo de análise de forma intensa e faremos cheques em oportunidades que estejam adequadas ao contexto que estamos vivendo.
SaaS B2B, de uma forma geral, é um modelo de negócios que tem certa aderência ao contexto atual – de trabalho remoto e distanciamento social. Softwares com contratos de prazo mais longo, com onboarding simplificado e remoto, de uma forma geral ficam sintonizados ao contexto que estamos vivendo de "remote first". Receita recorrente e margens altas, típicas do modelo, são bem-vindas neste momento, e os investidores estão atentos a isso.
De qualquer forma, nenhum negócio está imune a impactos. Softwares verticalizados, voltados para segmentos que estão sofrendo mais com a crise – como na indústria, comércio, turismo –, podem ter desafios maiores. O extremo "S" do "SMB" independentemente do segmento, também tende a estar mais exposto a impactos.
O Pitchbook traz esta matriz (figura abaixo) na qual eles avaliam o potencial impacto da crise da Covid-19 nos diferentes segmentos de tecnologia / nova economia.
Neste link segue o artigo do Pitchbook sobre impactos – Covid-19 – em VC nos EUA.
Independentemente do segmento, seja ele de maior ou menor impacto, pelo contexto de incertezas, todas as startups deveriam se preparar para: 1) queda relevante de receita, 2) aumento nos pedidos de cancelamentos, down-sell e inadimplência e 3) impactos em produtividade decorrentes da nova dinâmica remota e da ansiedade oriunda do cenário atual de pandemia.
Nesse sentido, listamos abaixo um conjunto de ações fundamentais que, na nossa visão, todo negócio SaaS B2B no estágio inicial deveria exercitar de forma diligente e ágil.
"Customer retention is existential in a downturn"
Byron Deeter – Partner – Bessemer Venture Partners
Reter um cliente que está na base tende a ser mais barato que adquirir um novo cliente. Agora inclua na equação um ambiente de crise, em que praticamente não existe demanda, ou seja, novas vendas. Nesse cenário, essa relação de reter X adquirir se torna ainda mais desproporcional.
Nada é mais importante do que reter os clientes que estão na base da sua empresa neste momento.
Segundo uma pesquisa feita recentemente pela empresa Gainsight – um dos maiores softwares para customer success –, 78% das empresas SaaS B2B acreditam que o churn deve subir 3 pontos percentuais em função da crise.
Construir uma política de retenção no estado da arte é responsabilidade não só do CSM, mas também do CEO e de toda a empresa.
O alinhamento ou realinhamento entre CS, Vendas, Marketing e o CEO é imprescindível para dar a flexibilidade, coordenação e acima de tudo velocidade na estruturação e acompanhamento de um plano de retenção eficaz.
Políticas de churn, atraso, inadimplência, upsell e downsell devem ser revisadas no detalhe e estar claramente delimitadas – com um novo caminho lógico –, determinadas a não perder nenhum cliente da base ou potencial cliente dentro do ICP.
Down-sell também é perigoso. Não se deve subestimar o impacto que a contração de clientes da base poderá trazer, mesmo sem cancelar.
Um bom ponto de partida para atacar esses desafios está no framework compartilhado pela Kellie Capote, VP de CS no Gainsight.
Step 1 – Ela sugere segmentar os clientes conforme as categorias da figura abaixo.
Step 2 – Analisar as métricas de saúde e engajamento desses diferentes clusters.
Step 3 – Usar esses inputs para nutrir o seu plano de retenção e determinar oportunidades de expansão e inputs para a área de vendas.
Segue o link para o material: "Managing churn during covid", por Nick Mehta (Gainsight), Kellie Capote, VP de CS no (Gainsight), e Byron Deeter (Bessemer Venture Partners), no qual trazem um step by step para estruturar um plano / política / playbook de retenção e minimizar o churn.
Abaixo listamos os principais take aways do webinar, para rápido consumo:
Este material da CS Academy tem um roteiro bastante completo e acionável para construir ou evoluir o seu plano de retenção e ajudar a sua empresa a "grudar-se" na sua base de clientes nesta crise.
Independentemente de qualquer impacto positivo que o seu negócio possa ter com o cenário atual, preparar-se para o pior e surpreender-se positivamente no futuro é o contexto mais adequado.
Com todas as variáveis que envolvem esta crise e pela relevante incerteza que ainda temos – por não ter um encaminhamento claro do impacto da pandemia na economia –, modelar / simular no mínimo dois cenários de perda de receita e níveis de churn, e ter o caminho claro para break even em cada cenário, é o básico a ser feito.
Nas diferentes conversas que temos tido no mercado recentemente, simulações de perda de 30%, 50% e até 75% da receita têm sido exercitadas de forma recorrente por empresas SaaS B2B no early stage. Entender com clareza quais os gatilhos e conjunto de ações que deflagram cada cenário é fundamental.
O ponto de atenção central deriva de dois aspectos complementares: (i) é necessário buscar uma eficiência extrema no uso de recursos que financiam o CAC, e (ii) é necessário ponderar esse fator dentro de uma dimensão geral de "burn rate".
Como ponto de partida, temos potencialmente três níveis: (1) um business eficiente em geração de caixa e resultado; (2) um business com queima de caixa, porém com saldo de caixa importante (runaway >12 meses); (3) um business com queima de caixa e com um saldo de caixa em nível de atenção (runaway <12 meses).
Em qualquer dos casos, a obsessão pelo controle das alavancas de alcance do breakeven e a agressividade das medidas de ajuste devem ser aumentadas de forma diretamente proporcional, na ordem desses três cenários.
Ao modelar financeiramente o impacto da Covid-19 na busca dessas alavancas, o conservadorismo pode ser o fator-chave de sobrevivência.
Pelo atual contexto, conforme mencionado acima, sugere-se ao menos um primeiro modelo com perda de 30% do MRR já em Q2/20 e 0% de incremento de MRR até o final do ano. Esse primeiro step deve ser considerado ainda nesse quarter.
Sugere-se também um segundo modelo com perdas incrementais nesses dois vetores (aquisição e retenção). O segundo step deve ser revisitado e eventualmente poderá vir a ser acionado entre final de Q2 e Q3/20.
Obviamente são referências conservadoras que devem ser adaptadas caso a caso, mas que compartilhamos com todo o portfólio.
Ao modelar esses cenários, é importante que o gestor encontre, dentro da sua estrutura de gastos, a margem e as fontes para potenciais ajustes rumo ao breakeven em cenários extremos de sobrevivência.
É muito importante enfatizar que existe uma enorme diferença entre projetar cenários em modelos financeiros conservadores e de fato acionar as alavancas de ajuste. O principal pecado é não ter a consciência dos riscos, não conhecer as soluções possíveis e não acionar as alavancas de ajuste no momento correto.
Nesse sentido, a mensagem fundamental é (i) modelar cenários com conservadorismo, (ii) escolher KPIs de monitoramento e sustentação dos cenários e (iii) ter o senso de urgência adequado para execução dos planos na linha do tempo que venha a ser estabelecida.
Nossa expertise está concentrada nas estratégias de go-to-market, e damos atenção especial ao tópico para suportar uma reação fundamentada e de alto impacto para o portfólio.
Mesmo sendo todos os negócios SaaS B2B, o impacto da crise é diferente em cada empresa, o que faz necessário balizar a profundidade das ações.
Para isso, você deve contar com a reflexão financeira importante – mencionada no capítulo acima –, evitando decisões baseadas no senso comum ou sob o efeito manada.
Entender quais canais são mais rentáveis e previsíveis e como cada estrutura comercial deve se adaptar será central para "forçar" um aumento de eficiência.
Assim como os fundos de venture capital estão mergulhados nos seus portfólios neste momento, todas as empresas deveriam focar – mais do que nunca – nos seus clientes de maior facilidade de aquisição e retenção. É a hora de manter somente experimentos fundamentais e apostar em iniciativas com métricas saudáveis e estabilizadas.
Na maioria das operações B2B, o impacto do headcount de vendas na saúde do seu custo de aquisição é imperativo. Foque em reforçar a qualificação, garantindo boas taxas de conversão a partir da prospecção.
Outro canal de corte iminente é a compra de mídia, principalmente para quem depende e investe muito. Monitorar a qualidade do lead nas diferentes plataformas e tipos de conversão provavelmente o ajudará a reduzir o investimento pela metade e além, com resultado praticamente igual no curto prazo.
Esta não é uma situação normal. A sua base de clientes foi impactada de forma diferente, e aspectos da solução/produto podem ter perdido ou ganhado valor. Ajustar o discurso à situação gera um ganho transversal em todo o funil de aquisição e retenção.
Por exemplo, com a grande valorização do dólar, existe uma maior abertura para migração de ferramentas "gringas" para alternativas brasileiras. Esse cenário é comum e se encaixa na necessidade de redução de custos e alta urgência de compra.
Quando um potencial cliente quer deixar para depois, é importante mapear antecipadamente ações a minimizar o atrito no funil. As mais frequentes são adaptações do onboard/ongoing de enfrentamento da crise, upsells gratuitos e materiais de apoio a disposição.
Começamos pela retenção por ser uma receita que já está em casa. As áreas diretamente relacionadas a essa métrica, apesar de eventualmente sofrerem cortes, devem ser priorizadas com investimento e treinamento proporcionais.
Em aquisição, ganhos intangíveis e projetos de longo prazo terão – no mínimo – seu ritmo de desenvolvimento ajustado. Lembre-se de que todo o ecossistema está passando por isso, que o timing de crescimento e receptividade do mercado está ajustado para um contexto comum.
O time é o ativo mais importante e o mais caro de um SaaS B2B. A velocidade na tomada de decisões numa crise é ponto decisivo para sobrevivência, e criar essa dinâmica e esse senso de urgência está nas mãos da liderança.
Tomar essas decisões difíceis de forma muito ágil, coordenada e ao mesmo tempo altamente respeitosa com as pessoas – sem abalar os valores e cultura da empresa – é algo primordial e muito desafiador.
Demissões "one shot" trazem menos temor na equipe que fica, e, se somarmos a ansiedade natural que todas as pessoas já estão vivendo, uma demissão em "triggers" pode trazer um pânico maior e custar mais caro para todos, com possíveis impactos na produtividade e na cultura.
"Doing multiple rounds of layoffs demoralizes your team and erodes any trust and confidence they have in you. Do it once",
David Ulevitvh, GP no Andreessen Harowitz.
De qualquer forma, não podemos desconsiderar contextos em que demissões em "triggers" podem ter um efeito mais cirúrgico e fazer sentido, eventualmente minimizando o volume total de demissões, seja pelo fato de o negócio ter encontrado caminhos de preservar valor, seja por uma reversão positiva de cenário macro.
Segue o link para um verdadeiro playbook sobre como planejar e – se for necessário – como executar demissões em empresas de tecnologia – David Ulevitvh, GP no Andreessen Harowitz.
Outro ponto importante que a liderança deve instituir é um acesso constante a informações relevantes e atualizadas sobre a situação macroeconômica e de incentivos que estão surgindo. A resposta do governo para empreendedores está sendo significativa, e oportunidades/flexibilidades no campo do direito do trabalho, tributário e agentes de fomento devem ser atentamente analisadas. Novas fontes de crédito estão surgindo, e ficar atento a essas oportunidades, nestes tempos de maior escassez de funding, é imprescindível. Alguns exemplos: BRDE, BNDES.
Empresas mais maduras contam com apoio jurídico constante que contribui com essa análise da alteração de leis e normas "minuto a minuto". Os agentes públicos têm tomado em esfera municipal, estadual e federal. Acompanhar essas medidas e usufruir de todos os potenciais benefícios e concessões não é tarefa simples.
Neste link, temos uma excelente referência do escritório Baptista Luz na qual eles fizeram uma organização de artigos que tratam do impacto da Covid-19 no ambiente jurídico e empresarial.
Apesar de todos os desafios e adversidades que ambientes de crise impõem a qualquer negócio, é inegável que oportunidades e inovações são derivadas de momentos desafiadores como o que estamos vivenciando.
Alguns dos negócios SaaS B2B mais inovadores que tiveram muito sucesso, como Hubspot, Slack, Twilio e Shopify, nasceram exatamente durante períodos de crise.
As crises vêm e vão, e – certamente – desta vez não será diferente. Da mesma forma que uma gestão de crise organizada e ágil contemplando os quatro pontos de sobrevivência trazidos acima é vital, não perder de vista o longo prazo é tão fundamental quanto.
"Whatever you do – remember your customers and employees will remember it when the economy starts growing again. Act responsibly."
Ed Byrne
* Ed Byrne – MD Scale Works, VC focados em SaaS no mercado USA – artigo TechCrunch
Por fim, não se desespere, trabalhe de forma inteligente, explore oportunidades que vão surgir, adapte-se e sairemos melhores desta jornada.
Boa sorte para nós todos!
Time ABSeed
Obs.. Link para o artigo, que foi publicado no site da Endeavor